Se me pedissem para
mencionar a data mais importante da história e pré-história da raça humana, eu
responderia sem a mínima hesitação: o dia 6 de agosto de 1945. A razão é
simples.
Desde o alvorecer da
consciência até o dia 6 de agosto de 1945, o homem precisou conviver com a
perspectiva de sua morte como indivíduo.
A partir do dia em
que a primeira bomba atômica sobrepujou o brilho do Sol em Hiroshima, a
humanidade como um todo deve conviver com a perspectiva de sua extinção como
espécie.
Aprendemos a aceitar
a efemeridade da existência pessoal, ao mesmo tempo em que tínhamos como certa
a potencial imortalidade da raça humana. Essa crença deixou de ser válida.
Precisamos rever nossos axiomas.
A tarefa não é
fácil. Antes de uma ideia se firmar na mente, existem períodos de incubação.
A
doutrina de Copérnico, que tão drasticamente degradou o status do homem no
Universo, demorou quase um século para penetrar na consciência dos europeus.
A nova degradação de
nossa espécie para o status de mortalidade é muito mais difícil de digerir.
De fato, tem-se a
impressão de que a novidade dessa perspectiva já se desgastou mesmo antes de
ter sido adequadamente absorvida.
O nome Hiroshima já
se tornou um clichê histórico, como o célebre "Boston Tea Party".
Retornamos a um
estado de pseudonormalidade.
Apenas uma diminuta
minoria tem consciência do seguinte fato: a partir do instante em que abriu a
caixa nuclear de Pandora, nossa espécie tem vivido com os dias contados.
Cada época teve suas
cassandras, conquanto a humanidade tenha conseguido sobreviver a suas sinistras
profecias.
Entretanto, esta
confortante reflexão já não é válida, pois em nenhuma época anterior tribo ou
nação alguma possuiu o instrumental necessário para tornar este planeta
inadequado para a vida.
Elas só podiam
infligir danos limitados a seus inimigos — e assim o fizeram sempre que se lhes
apresentou uma oportunidade.
Agora, as nações
podem tomar toda a biosfera como refém. Um Hitler, nascido vinte anos mais
tarde, provavelmente teria feito isso, provocando uma Götterdämmerung
(catástrofe) nuclear.
Arthur Koestler - Do
livro: Jano